Li seu artigo publicado ontem na Folha de São Paulo; e, hoje, estou a publicá-lo aqui no meu blog.
É um bom tema para debate:
Quando a escola 'mata' o aluno
érica fraga
"Se a escola destrói a autoconfiança do aluno, ela
matou o aluno pobre."
Quando ouvi a frase acima durante entrevista recente com
o pesquisador Ricardo Paes de Barros, foi como um soco na boca do estômago.
As palavras dele me remeteram a histórias que tenho
escutado de pais convocados para reuniões escolares nas quais ouvem dos
responsáveis pedagógicos que seus filhos são incapazes de acompanhar o ritmo,
de se comportar ou de se concentrar.
Vou me restringir a narrar uma delas com algum detalhe
aqui.
Há pouco tempo uma amiga psicóloga me contou que sua
empregada doméstica chegou a sua casa aos prantos depois de participar de uma
reunião na escola pública municipal do filho, localizada em um bairro de classe
alta de São Paulo.
A convocação ocorreu porque o menino, de cinco anos,
vinha apresentando comportamento desobediente e, por vezes, explosivo (como
chutar brinquedos quando era contrariado por amigos).
Essa mãe foi recebida pela coordenadora pedagógica, que
comandou a conversa, e por uma assistente de direção.
Começou ouvindo, segundo seu relato, que seu filho era o
principal desestabilizador de sua turma, que tinha tendência à agressividade e
era insubordinado. Assustada, a mãe começou a chorar.
Ela tentou contar algo positivo que pensava em fazer para
ajudar o filho: colocá-lo no judô para aumentar sua disciplina e concentração.
A coordenadora teria retrucado que isso só iria piorar as
coisas pois ele se tornaria ainda mais violento. E a mãe continuou chorando.
Em um momento, a coordenadora pediu que chamassem o aluno
à sala. Quando a criança entrou, ouviu dela que era o responsável pelo estado
emotivo de sua mãe e que, se ela perdesse o emprego por estar ali na hora do
trabalho, a culpa seria dele.
O menino, claro, caiu no choro também.
A mãe ficou arrasada e envergonhada. Seu primeiro
pensamento foi o de persistir na estratégia que já vinha tentando: brigar com o
menino em casa e puni-lo com castigo.
Mas contou toda a história para sua empregadora, que,
chocada, resolveu agir em duas frentes.
Confirmou para sua funcionária o que ela já suspeitava,
que a profissional que a recebeu havia se excedido, e a orientou a mudar de
estratégia com o menino, a falar que juntos iriam superar aquilo, que ela iria
ajuda-lo, que ele conseguiria melhorar seu comportamento.
Minha amiga ligou também para a escola, se desculpou pela
intervenção, mas argumentou que, diante da gravidade do fato, gostaria de
conversar pessoalmente com a diretora.
Foi bem recebida pela profissional que contou ter
assumido há pouco tempo, vinda de outro estabelecimento, e afirmou não estar
presente no dia da reunião com a mãe.
A assistente de direção, que havia presenciado a conversa
entre coordenadora e mãe, confirmou a maior parte das informações relatada por
ela.
Alegou que não fez nenhuma intervenção porque, como a
diretora, era recém-chegada ao estabelecimento, mas afirmou que elas estavam
tentando mudar a atitude de profissionais como aquela coordenadora.
Minha amiga perguntou se elas conheciam a história do
menino e da mãe, que foram abandonados pelo pai dele ainda na gravidez. As
profissionais admitiram que não e que isso era uma falha.
Ela saiu da escola com a impressão de que as duas tinham
sido sinceras e com uma ponta de esperança de que realmente estavam empenhadas
em mudar as coisas.
Essa história é chocante. Chamar uma criança de cinco
anos para assistir ao sofrimento da mãe e ainda dizer que ela é a causadora de
tudo aquilo é mais do que despreparo e abuso. Entra na classificação de
crueldade.
Será que acontecimentos assim são uma exceção? Quero
muito acreditar que sim, mas, com base em outros relatos que ouço, não tenho
certeza.
Por isso entendi Paes de Barros, que é economista-chefe
do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, quando ele afirmou que a
escola pode matar o aluno.
É uma morte simbólica, da confiança, que geralmente deixa
marcas.
Ele acrescentou que, embora isso também ocorra em escolas
de classe alta, os pais, nesses casos, estão mais bem equipados para ajudar
seus filhos a reconstruir sua autoestima.
Concordo. Mas, mesmo nessas situações, quando a escola
sugere que o aluno é incapaz —ainda que a palavra usada não seja essa e que a
abordagem seja mais polida—, há consequências.
A filha de uma família conhecida trocou de escola há
pouco tempo porque "não estava acompanhando o ritmo" do
estabelecimento, considerado muito puxado e exigente.
A transição não tem sido fácil. Ora ela se sente bem,
mais valorizada na escola nova, ora se sente inferior aos amigos antigos que
não precisaram fazer a mesma transição.
Parece que ainda falta compreensão sobre o verdadeiro
papel da educação, que não é o de fazer com que todos cheguem ao mesmo patamar,
mas ajudar cada um a atingir seu próprio potencial, a acreditar que tem uma
vocação e a perseguir seus sonhos.
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