Sebastião Nery
Fernando Martins,
jornalista, diretor da ANJ (Associação Nacional de Jornais) no Rio, conhecia o
Salgueiro de “Chão de Estrelas” de Orestes Barbosa e Sílvio Caldas. Ia passando
na boca do morro, um velho e um rapaz carregavam uma moça.
– O que é que ela tem?
– Está passando mal. Vamos
levar para o hospital do INSS em Andaraí.
– Entrem aqui no meu carro.
E Fernando Martins saiu em
disparada para o Hospital de Andaraí.
Branca como uma nuvem, os
olhos enormes saltando das pálpebras roxas, a moça tossia desesperadamente. O
rapaz apertava a cabeça dela contra o peito e pedia baixinho:
– Calma, Gracinha, calma.
Trânsito ruim, Fernando
furava o sinal, dava contramão, guardas apitando, anotando.
Ligou o rádio para distrair
a moça. Elisete Cardoso cantava “Chão de Estrelas”:
- “Minha vida era um palco
iluminado / Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas
ilusões.”
E a moça tossindo, sufocada.
E Elisete cantando:
– “Cheio dos guizos falsos da alegria
/ Andei cantando minha fantasia / Entre as palmas febris dos corações.”.
A moça deu um gemido fundo,
grunhiu forte.
O rapaz, desesperado, o
rosto lavado de sangue que saia do peito dela, golfadas esguichando, ensopando
o tapete do carro.
E Elisete cantando:
– “A porta do barraco era
sem trinco / e a lua furando nosso zinco / salpicando de estrelas nosso chão. /
Tu, tu pisavas nos astros distraída / sem saber que a ventura desta vida / é a
cabrocha, o luar e o violão.”
O velho apenas bateu com a
cabeça. E passou os dez dedos calosos na testa da filha. O rapaz ficou
soluçando baixinho, contido, beijando as pálpebras roxas. Tinha nos olhos o
espanto dos loucos. E Elisete cantando:
- “Meu barraco no Morro do
Salgueiro / Tinha o cantar alegre de um viveiro. /Foste a sonoridade que
acabou./ E hoje, quando do sol a claridade / Forra meu barracão sinto saudade /
Da mulher, pomba-rola que voou.”
Depois da correria, Fernando
Martins chega ao hospital do INSS, em Andaraí. A moça tinha recebido alta algum
tempo antes naquele mesmo hospital. Voltava morta. Apenas 21 anos, uma filha de
dois meses. Comida pela tuberculose, a doença da fome.
Elisete já não cantava “Chão
de Estrelas”.
O jogo tem que mudar. O
relativo sucesso esportivo e cultural das Olimpíadas e das Paralimpíadas no Rio
de Janeiro, de 2016, não pode apagar os desmandos e as roubalheiras de
autoridades e dos dirigentes das federações esportivas brasileiras. A governança
das entidades e de muitos clubes no Brasil é um desastre. Uma vergonha! Pelo
menos duas ações devem ser imediatamente apoiadas diante de tão grande número
de escândalos no COI, na CBF e outras entidades: primeiro a apuração total e
irrestrita da malversação dos recursos financeiros. E, segundo, buscar uma lei
que limite ao máximo em dois mandados cada cargo de dirigente de federação e de
time de futebol. Nada melhor para a gestão do que alternância de poder.
É hora de fechar o ralo do
desperdício e da roubalheira para realizar as Olimpíadas da Saúde, da Educação,
da Segurança, do Saneamento e da Pobreza. A vida do povo está em jogo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Este blog só aceita comentários ou críticas que não ofendam a dignidade das pessoas.